domingo, 24 de fevereiro de 2013

Intervenção (Conto)

Eu abri os olhos. Já era de manhã, e o sol entrava no meu quarto através da janela, mas minha cama continuava fria. É, ele não estava do meu lado. Eu estava sozinha. Por isso eu não consegui dormir direito.

Com certeza, era o pior dia da minha vida! Que vergonha... Com que cara ia chegar no trabalho hoje?! Nossa, como eu me sentia patética!

"06:30", segundo o relógio. Hora de me levantar. Fui ao banheiro branco, e me olhei no espelho. Seria muito ruim se eu morresse?  Olhei para a pia e a escova de dentes dele ainda estava lá. A peguei para jogar no cesto de lixo, mas não consegui. No fim das contas, escovei meus dentes com ela. E eu chorava enquanto escovava. Talvez não fosse tão ruim se eu morresse...

Me sentei no vaso sanitário e comecei a mijar. Quantas e quantas vezes eu me sentei ali, enquanto ele me olhava da cama, com uma expressão de deslumbramento, como se eu estivesse fazendo poses para fotos?! Chorei de novo.

No trajeto para o trabalho, me lembrei de nós banhando juntos, de como fazíamos de nosso cafés-da-manhã uma festa, e de marcarmos sempre algo diferente para o jantar. Nossa vida era perfeita... Bati no carro da frente.

Eu desci do carro, enquanto o dono do outro descia também. Quando me viu, ele sorriu. Era bonito o homem.

"Me desculpe", disse eu. Ele riu de novo. Avaliamos o estrago. Não era nada muito grave, mas iria custar uns dois mil reais para consertar cada carro. "Não se preocupe, eu vou pagar o conserto", assegurei.

"Qual o seu nome?", ele perguntou. Quando eu respondi, ele riu. Depois que ele me disse o dele, me deu um aperto de mãos forte, mas gentil. "Não precisa pagar o conserto, mas eu adoraria jantar com você um dia desses".

Dessa vez, eu ri. Sim, eu ri, mas era um riso triste. E ele percebeu, mas ficou calado. "Não, obrigada. Eu tô muito ocupada esses dias. E eu faço questão de pagar o conserto. Tome aqui o meu cartão. Avalie os danos com o seu mecânico, que eu pago".

Ele pegou o cartão e eu entrei no meu carro. Logo em seguida ele entrou no dele e cada um foi para o seu canto.

Finalmente, cheguei ao estacionamento do prédio. Eu sentia meu rosto corar. Eu queria poder faltar, mas hoje tinha uma reunião importantíssima, então...

Fui de escada, já que o elevador não chegava mais ao estacionamento, que estava em reforma. Eu já sabia o que me aguardava: falatório, burburinho, fofoca. Caminhando para a terceira parte do pior dia da minha vida.

Pus os pés no térreo. Todos olharam para mim. Os estagiários, os recém-contratados, os que estava lá há anos. Todos os olhares convergiam para mim.

Comecei a andar. Eles ainda me seguiam com os olhos. Tentavam disfarçar, fingindo que faziam o que deveriam estar fazendo, mas eu sabia que eles me olhavam. Meu coração estava batendo muito rapidamente. Era muita pressão.

"Bom dia", disse eu, em uma inútil tentativa de descontração enquanto andava, mas quando todos, absolutamente todos, responderam, eu me desequilibrei, e caí.

De joelhos no chão, fiquei uns dez segundos jazida, até que um rapaz saiu do elevador e me levantou. "Muito obrigada". Ele sorriu, apenas. Me olhou até não poder mais e foi embora, em direção às escadas.

Entrei no elevador e subi. Tive de me segurar para não vomitar ali. Foi um tempo anormalmente longo, mas para chegar ao último andar, geralmente não demorava tanto assim.

Felizmente, aqui só tem a minha sala. "Bom dia", disse eu à minha secretária. Ela me olhou surpresa.

"Bom dia. Me desculpe, eu não imaginada que a senhora viria".

"Por que eu não viria?", mas ela não se atreveu a responder. Quando girei a maçaneta e abri a porta que dava para minha sala, parei.

Uma menina muito linda, de uns oito anos, estava sentada na minha cadeira. Pude ouvir a voz de uma mulher adulta vindo do banheiro: "Não senta na cadeira da patroa!". A menina olhou para mim e pôs o dedo indicador em frente à boca, sorrindo.

Retribuí o sorriso, e fui até ela. Fui surpreendida, quando vi que a menina não tinha uma das pernas. Ela usava uma perna de metal. Sentei na cadeira de visitas e pus minha bolsa na mesa. "Qual é o seu nome?", perguntei a ela. Ela me respondeu e eu disse o meu.

A mulher que estava no banheiro saiu e nos viu. "Senhora, eu sinto muito! Eu disse pra ela não sentar na cadeira. E eu trouxe ela porque a menina que cuida dela tava ocupada hoje. Por favor, não me demita, senhora".

"Não se preocupe. Eu entendo sua situação, e sua filha é adorável. Ela pode ficar aqui na sala até a hora da reunião".

"Eu não quero incomodar a senhora", disse a mulher, sem graça.

"Não é incômodo algum! Pode deixar que eu tomo conta dela até as dez" assegurei.

"Nem sei o que dizer, senhora".

"Já disse pra não se preocupar". Assim, a mulher saiu.

"Você está triste", não foi uma pergunta.

Eu a olhei por um tempo. Aquela menina já deve ter sofrido o bastante para reconhecer a tristeza em mim.

"O meu príncipe encantado foi embora", disse eu.

"Se ele foi embora porque quis, então ele não é o seu príncipe, muito menos, encantado!", observou ela, sabiamente.

Eu sorri. Ela também. Nós sorrimos por um bom tempo.

"Uma vez, eu também achei que tinha conhecido meu príncipe, mas quando fui falar com ele, ele me disse que, pra ser princesa, você tem que ter as duas pernas. Sabe o que eu fiz? Dei uma canelada nele com minha perna de ferro! Quase quebra... a perna dele!"

Meu Deus! Há quanto tempo eu não ria daquele jeito!

Quando parei de rir, eu disse: "É, mas quando a gente cresce e ama, é mais complicado. Não dá pra simplesmente dar uma canelada".

"Pode ser, mas você não pode ficar desse jeito! Uma mulher bonita, rica, famosa, chorando por causa de homem. Tem um monte deles te querendo, e você tá chorando justamente pelo que menos te merece!"

"Pensando bem... hoje eu bati no carro de um homem e ele me convidou pra sair", disse eu, rindo.

Aquela garota era realmente incrível. Forte, corajosa, divertida e linda.

Depois ela foi embora, e eu tive um ótimo dia. Na reunião, consegui firmar contrato com uma outra grande empresa. Quando saí do elevador, no térreo, eu praticamente desfilei.

Já em casa, me sentei na cama, e, pela primeira vez em muito tempo, tirei minha prótese de perna para dormir.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Papéis (Conto)

Havia um pedaço de papel do outro lado da rua. Diferente do que eu segurava, que era uma página de jornal com oportunidades - ou não - de emprego, o papel do outro lado da rua parecia ser muito interessante.

Seu formato, sua cor, seu tamanho. Tudo era chamativo. Quando dei por mim, já estava esbarrando nas pessoas que por ali passavam, tentando atravessar a rua.

E tudo o que me veio à mente foi Zélia, me dizendo para parar de ser preguiçoso e arranjar um emprego. Ela é um boa pessoa. Apenas está cansada de viver miseravelmente.

Eu também. Juro que sim, mas é difícil. Eu não sei fazer nada! Meu pai nunca me colocou na auto-escola, tampouco me ensinou a consertar encanamentos ou fiações elétricas. Capinar também não sei. Estou procurando emprego há semanas, mas nada há de me servir. Quem vai contratar um inútil?

A situação está difícil, pois eu e Zélia estamos sobrevivendo apenas da ajuda dos vizinhos Seu Cláudio e a Dona Mariele. Eu preciso mesmo de um emprego.

Cheguei! Consegui atravessar a rua, e finalmente estou na calçada. A centímetros do papel, eu me agacho e estico o braço para pegá-lo. Peguei. Cem reais dando sopa. Eu ri. Guardei a cédula no bolso traseiro e me deparei com uma mulher espetacular.

Ela era loira. Espera, eu acho que era negra. Não, não, definitivamente, ela era japonesa com cabelo ruivo. A preocupação estava lá, no rosto dela, deixando-a pálida, ou corando-a; não sei ao certo.

Só sei que ela olhou a calçada inteira, mas parecia não ter achado o que procurava. "Moça, você perdeu alguma coisa?", perguntei, rezando para que não fosse o dinheiro.

"Minha aliança. Perdi minha aliança!", ela estava quase chorando. Resolvi ajudá-la a encontrar o anel. Mas, simplesmente, não estava lá.

Eu não acredito que eu disse isso, mas disse: "Eu tenho cem reais. Não é muito, mas dá pra comprar uma imitação". Ela riu. Na verdade, gargalhou. Eu acho que ela precisava sorrir um pouco.

"Está procurando emprego?", disse ela, apontando para o jornal em minha mão. Eu confirmei com a cabeça. "O que sabe fazer?", perguntou.

Eu pensei no que responder. Talvez houvesse alguma coisa que eu ainda não havia pensado, mas nada veio à mente. "Nada", disse eu sincera e cinicamente. E suas gargalhadas ganharam meu ouvido novamente. Logo em seguida, ela me avaliou da cabeça aos pés.

"Vamos para casa. Se você fizer um bom serviço eu te pago. Quem sabe até eu te contrate".

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Bem-vindos ao meu bosque!


Olá, pessoal. Como vocês estão? Eu me chamo Carlos André, e criei o Bosque do Carlos com o intuito de postar comentários a respeito de livros, filmes, séries, programas de televisão e rádio, música, etc. Sou escritor ainda não publicado, e com vários projetos em andamento. O nome deste lugar é derivado do livro "Seis passeios pelos bosques da ficção", do Umberto Eco. Este bosque é um ambiente para pessoas de mente aberta e que gostam de Arte. Todos os comentários são muito bem-vindos, desde que feitos com respeito. Espero que todos deixem-se perder nesse bosque, e em todos os outros aos quais ele dá acesso.